segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Qualidade x Fama? As motivações de um Escritor


Recentemente, em um grupo de discussão literária, uma questão pertinente foi trazida para o centro das atenções, algo como "O que você quer? Fama? Qualidade? Prefere se tornar famoso mesmo que com obras consideradas ruins pela crítica? Prefere se focar na qualidade e se a fama vier junto ótimo?". Uma discussão bastante válida, mas que acabou por despertar-me para um ponto divergente de ambos os "lados" da história:



Só existem esses dois objetivos literários? Só é possível escolher entre uma dessas duas "facções" para pertencer?

As motivações de um Escritor



Este será um texto completamente opinativo, onde irei deixar bem claro meus conceitos à respeito deste tema sem, contudo, desmerecer o debate de grande valia que sempre surge em torno do assunto. Meu objetivo é não somente despertar o mesmo questionamento de valores dessa questão "Qualidade x Fama" como demonstrar que existem uma quantidade enorme de possibilidades além desta para se levar em consideração.


Os 6 estágios da Arte
 
Para começar a abordar essa questão é útil nos valermos de algum estudo sobre o tema "Motivações dos Artistas". Apesar desse parecer um tema difuso a um primeiro olhar, o estudioso de quadrinhos Scott McCloud fez uma bela abordagem sobre a questão em sua obra "Desvendando os Quadrinhos". Ainda que ele na ocasião estivesse se focado nos quadrinistas quando criou suas definições, é visível o quanto seu modelo se aplica a todos os ramos artísticos.

Scott McCloud em Desvendando os Quadrinhos - divulgação

McCloud, um verdadeiro maníaco por diagramas e teoremas conseguiu em sua obra dividir a visão de todos os artistas sobre sua produção. Os estágios são, do mais interior ao mais exterior:

1) Ideia (o que se quer dizer)
2) Forma (a maneira de dizer)
3) Idioma (o modo, a maneira de dizer - literatura, quadrinhos, música, teatro e etc)
4) Estrutura (como se estrutura o que se produz)
5) Habilidade (saber fazer com qualidade)
6) Superfície (a forma como se parece para quem recebe)

Em outro artigo mais direcionado a isto poderemos abordar com mais profundidade esses estágios. Por hora basta entender o seguinte sobre a teoria de McCloud:

- Todo o aspirante começa seu trabalho visando o sexto ponto, a superfície

- Com o passar do tempo cada um vai aprofundando-se nestes tópicos, não necessariamente em uma ordem. O importante é que, quanto mais desenvolto em vários desses tópicos, mais profundo será seu trabalho

- Todos os artistas, em certo ponto, chegam à uma escolha que devem fazer (e que não é definitiva, mas sim temporal): Ideia ou Forma?

Esse terceiro ponto é bastante definidor na Literatura: você é um escritor que preza mais pela mensagem ou pela forma do seu texto? O que é mais importante?

Apenas citei a teoria de McCloud com o intuito de mostrar o quanto, ao meu ver, essa questão de Qualidade x Fama parece incompleta ou mesmo incapaz de expressar a realidade.


Comunicação, o motivo fundamental da Arte



Como autora devo dizer que estou no "Clube dos - queremos transmitir ideias!" e este clube está inserido tanto no quesito Qualidade quanto no Fama da dicotomia apresentada até então.

Arte (no caso, Literatura) se for vazia de uma Mensagem não passa de uma bela "Possibilidade sem Utilidade" (não é fácil notar que sou uma pessoa do tipo "Ideia"?). Não existiria o porquê da obra senão para transmitir algum ideia, algum valor. Por mais banal que seja sua questão, sem uma questão central, a Obra não passaria de um envólucro vazio.

E, para transmitir bem ideias é preciso saber como fazê-lo. É preciso técnica, é preciso saber estruturar um bom enredo, saber o mínimo de regras gramaticais para não cometer erros grotescos que afastem o leitor. Enfim, a Qualidade é um item fundamental para a Comunicação.

Por outro lado, quem quer comunicar algo deve fazê-lo a Alguém. Qual o valor de uma obra engavetada, que jamais conheceu a luz de uma leitura? Claro, neste tópico também existem possibilidades divergentes. Mas, por padrão, se uma pessoa diz algo, ela diz esperando ser ouvida por alguém e, se possível, compreendida e aceita.

Ou seja, ainda que de maneira menos intensa, aquele que anseia a Comunicação também tem sua parcela de apreço pela Fama. Para alguns, basta o conhecimento de algumas dezenas de pessoas, outro querem centenas, ou milhares, ou mesmo milhões. É na dosagem dessa procura por comunicar-se que irá determinar o quanto a fama é importante em sua vida.


Não existem dicotomias

Apesar de ser bastante válida em termos didáticos, para análise, a divisão entre Qualidade x Fama é irreal no ponto de vista prático. Apenas com um breve exemplo foi possível perceber o quão frágil são os limites dessa separação em termos. Assim como em qualquer outro espectro da vida, as motivações de um escritor (de um artista) não se limitam a duas possibilidades opostas, mas se abrem em um leque diversificado e misturado de opções e alternativas que podem, ou não, ser complementares umas as outras.

Ou seja: Qualidade? Fama? Comunicação? Técnica? Tudo isso e muito mais, sim senhor! 


Lilian K. Mazaki

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