segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Dança Sombria

Estávamos nós, eu e Gustavo, de mãos dadas, girando tristemente ao redor de coisa alguma. Tudo era cinza e sem forma no mundo. Apenas nós dois ali, rindo e chorando, sabíamos existir. De onde havia vindo isto? Como poderia ter sido diferente?

Fazia algum tempo desde nosso último encontro. A vida agitada, os compromissos reais e os fantasiosos com os ditos sonhos, haviam nos feito distantes por mais tempo do que eu poderia lembrar.

Mas em nada ele havia mudado, não mesmo. O Gustavo nunca mudava. Sempre a mesma cara cansada, de manchas escuras ao redor dos olhos por conta da insônia. Sempre as roupas escuras e a pele sem marcas de sol. Que aparência deprimente ele tinha.

Ainda assim eu sabia, e sempre soube, que estávamos destinados a dançar novamente. Mais uma vez e para todo o sempre, girando e girando pelos dias e noites que se sucedem ao nossos passos.

Eu sou felicidade e ele é tristeza. Enquanto construo os pilares dos nossos sonhos, ele apenas espalha a terra para que tudo afunde. Eu sonho e ele grita. Mas é quando meu canto se torna um grito que ele mostra a sua força.

Foi assim que nos reencontramos. Pois por maior que seja a felicidade ela não é feita sem momentos ruins. Na solidão da minha desgraça chorei por não ser capaz de controlar o passado nem o futuro. Ele então apareceu, ouvindo meus lamentos e segurou minhas mãos:

"Aceite o desespero e nós dois poderemos nos fazer companhia por toda a jornada."

Como eu fora tola. Exibindo meus sorrisos e me gabando da minha habilidade precária. Enquanto me enchia de cores eu deixava meu lado mais frágil favorável a levar um golpe fatal. Por sorte eu apenas caí, sem ar, com dor e medo. Não morri, e Gustavo me abraçou quando me colocou de volta sobre meus pés.

Ele era quente como o abraço da nossa amada. Macio toque do seu casaco preto. Seus cabelos um tanto desgrenhados se pareciam mais familiares do que jamais eu notara. Talvez esse tenha sido o primeiro passo para que eu entendesse, uma vez mais, que não tinha como existir sem ele comigo.

As lágrimas se tornaram apenas ardor e eu esqueci sobre o passado e o futuro. Do que importava se tudo era apenas desespero? Pra quê lamentar-se do que já era feito de desgraça? Por que estive tanto tempo esquecendo daquela parte tão podre e deliciosamente viva da minha própria alma?

Dançamos. Cantamos à desgraça e à confusão. Sorrimos e rimos da nossa mesquinharia e reafirmamos nossos gostos em comum pelas sombras da alma. Somos opostos e ao mesmo tempo iguais. Gêmeos indissociáveis. Em mundos paralelos e mais próximos que pés e mãos.

Foi um belo reencontro esse nosso. Me ajudou a perceber minha tolice e achar que posso estar nessa sozinha. Eu preciso de Gustavo e de todos os outros. Todos eles. Cada um tem muito a me ensinar e apenas com a força de cada um é que poderei continuar traçando esse caminho torno, nessa estrada torta que é a vida.

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